segunda-feira, 25 de abril de 2011

Os camelos também choram.


Primavera no deserto de Gobi, sul da Mongólia.
Uma família de pastores nômades assiste ao nascimento de filhotes de camelo.
A rotina é quebrada com o parto difícil de um dos camelinhos albinos.
A mãe, então, o rejeita.
O filho ali, branquinho, mal se sustentando sobre as pernas, querendo mamar e ela fugindo, dando patadas e indo acariciar outro filhote, enquanto o rejeitado geme e segue inutilmente a mãe na seca paisagem.
A família mongol e vizinhos tentam forçar a mãe camela a alimentar o filho. Em vão.
Só há uma solução, diz alguém da família. Mandar chamar o músico.E o milagre começou musicalmente a acontecer.
Dois meninos montam agilmente seus camelos, numa aventura até uma vila próxima, tentando encontrar o músico.
É uma vila pobre, mas já com coisas da modernidade, motos, televisão, e, na escola de música, dentro daquele deserto, jovens tocam instrumentos e dançam, como se a arte brotasse lindamente das pedras.
O professor de música, qual um médico de aldeia chamado para uma emergência, viaja com seu instrumento de arco e cordas para tentar resolver a questão da rejeição materna.
Chega. E ali no descampado, primeiro coloca o instrumento com uma bela fita azul sobre o dorso da mãe camela. A família mongol assiste à cena.
Um vento suave começa a tanger as cordas do instrumento. A natureza por si mesma harpeja sua harmônica sabedoria. A camela percebe. Todos os camelos percebem uma música reordenando suavemente os sentidos.
Erguem a cabeça, aguçam os ouvidos e esperam. A seguir, o músico retoma seu instrumento e começa a tocá-lo. A dona da camela afaga o animal e canta.
E, enquanto cordas e voz soam, a mãe camela começa a acolher o filhote, empurrando-o docemente para suas tetas. E o filhote, antes rejeitado e infeliz, vem e mama, mama, desesperadamente feliz.
Enquanto se alimenta e a música continua, acontece então um fato impressionante.
Lágrimas desbordam umas após outras dos olhos da mãe camela, dando sinais de que a natureza se reencontrou a si mesma, a rejeição foi superada, o afeto reuniu num todo amoroso os apartados elementos.

* * *

Nós, humanos, na plateia, olhamos estarrecidos. Maravilhados. Os mongóis em cena constatam apenas mais um exercício de sua milenar sabedoria.
E nós, que perdemos o contato com o micro e o macrocosmos, ficamos pasmos com nossa ignorância de coisas tão simples e essenciais.
Os antigos falavam da terapêutica musical. Casos de instrumentos que abrandavam a fúria, curavam a surdez, a hipocondria e saravam até a mania de perseguição.
O pensamento místico hindu dizia que a vida se consubstancia no Universo com o primeiro som audível - um ré bemol - e que a palavra só surgiria mais tarde.
E nós, da era da tecnologia, da comunicação instantânea, dos avanços científicos jamais sonhados... E nós? O que sabemos dessas coisas?
Coisas que os camelos já sabem, que os mongóis já vivem. Coisas dos sentimentos, coisas do coração. O que sabemos nós?
Será que sabíamos que os camelos também choram?

Redação do Momento Espírita com base em crônica de Affonso Romano de Sant´anna, encontrada no http://acaodopensamento.blogspot.com. Em 25.04.2011.

domingo, 17 de abril de 2011

Motorista de caminhão pelo interior do Haiti, uma lição para a vida!



            Final da tarde de segunda-feira, recebo a seguinte ordem: - “Amanhã, as cinco da madrugada, você partirá para Cap-Haitien, integrando um comboio que irá levar máquinas e equipamentos para a recuperação de uma estrada, você será o motorista do caminhão 18. Inicialmente fiquei inseguro, pois já ah muito tempo eu não dirigia caminhões e na verdade não tinha experiência.
            Resolvi de encara mais este desafio. Peguei a chave do caminhão e solicitei a um colega, que me desse algumas dicas do funcionamento do mesmo. Ele prontamente me atendeu e após darmos algumas voltas ao redor da Base, acreditei que poderia domar o possante.
            Procurei então lembrar das contingências de uma viagem e revisei os próximos passos que deveria seguir. Assim, levei-o para abastecer, calibrei os pneus e conferi os níveis dos reservatórios de água e do óleo, ao final disto, o estacionei na fila do comboio.
            O dia amanhecia e já era grande o numero de pessoas nas ruas de Porto Príncipe. Os tape-tapes (pequenas caminhonetes que aqui são usadas para o transporte de pessoas) já andavam entupidos de pessoas e a atravessarem na frente de nossos caminhões, como se eles fossem os gigantes. As “barraquinhas” que tomam conta das calçadas, já faziam as suas frituras e os ambulantes pululavam. Muitas crianças em seus uniformes característicos de estudantes, andavam pelas ruas ou dentro dos tape-tapes, dirigindo-se para as suas escolas. Uma vantagem há de dirigir aqui, você se torna imune a buzinaços. O motorista haitiano adora buzinas e buzinar. Você ouve aquele barulho ensurdecedor ao seu lado e, quando olha pelo retrovisor, vê que é uma moto. Por este parâmetro, imaginem como é o som dos veículos maiores. A regra aqui é não seguir regras, então, buzina-se para que todos o vejam e ninguém passe por cima de você. Dar sinal? Isto não existe, como também não há sinaleiras ou guardas de trânsito, é a lei do mais forte, ou da sorte.
            Após mais de meia hora, saímos para a periferia da cidade e ganhamos a auto-estrada. A minha esquerda eu via o Mar do Caribe que, iluminado pelos primeiros raios de sol, mostrava-se vestido de um azul celeste, era um contraste marcante com o monte de lixo que é a cidade que o margeia ali.
            Naquela parte da estrada, o asfalto e novo e pudemos acelerar nossos motores. De tempos em tempos, passávamos por pequenas vilas, as quais a rua principal, e na maioria das vezes a única rua, é a própria auto-estrada. Ali, precisávamos reduzir e pararmos muitas vezes, pois a população local faz desta via o lugar para as suas feiras. Ali, eu via uma mulher com quatro galinhas amarradas pelos pés aos pares e colocadas sobre os seus ombros. A direita, espalhadas pelos chão, haviam dezenas de pequenas mangas e cachos de bananas. Mais a frente eram pequenos cabritos que amarrados no chão com uma corda que envolvia as quatro patas, esperavam por aquele que os compraria. Jovens com pequenos saquinhos de água, os ofereciam a todos. Mulheres com bacias nas cabeças, andavam eretas de um lado para outro. As frituras de coisas imagináveis, se misturavam ao mal odor e a enorme quantidade de dióxido de carbono. Pés no freio, embreagem, acelerador. Segunda marcha, terceira, segunda de novo. Paradas, desvio de buracos, muita atenção a frente e aos espelhos, assim seguíamos. Mais alguns quilômetros e tudo se repetia novamente.
            A grande maioria dos rios do Haiti só tem água em seus leitos no período das chuvas, pois o desmatamento de quase 100 por cento de sua área, secou todas as nascentes. Onde existe algum com o precioso líquido, uma pequena cidade se forma ao lado. Neste país, o índice de natalidade é muito grande. Os filhos são muitos e só conhecem suas mães, pois quase sempre pertencem a pais diferentes. A quantidade de crianças e adolescentes é enorme, desta forma, os rios não servem somente para depósito de todo o lixo que produzem e despojo de seus dejetos humanos, mas também como lugar onde se lavam as roupas e se banham. Por todos os rios em que passamos em nosso itinerário, haviam dezenas de grupos ali se lavando ou banhando-se. Os meninos quase sempre estão nus e as mulheres, ficando somente de calcinha, viram-se de costas para a estrada e banham-se com naturalidade.
            As favelas, formadas por muitos barracos cercados por lonas plásticas ou somente por telheiros são as principais moradias. Em mais uma vila que passamos, uma cena me atraiu o olhar: dezenas de mulheres, em uma longa fila, carregavam sacos de carvões em suas mãos frágeis e em suas cabeças, haviam bacias do mesmo produto. Seus corpos era magérrimos, seus olhares muito tristes, senti a sede e a fome em seus espíritos cambaleantes, aquilo me fez verter lágrimas.
            Como poderia condenar aqueles seres humanos, nossos irmãos, por destruírem a insignificante flora que ainda resta neste país para transformarem-nas em carvão? Esta é a única maneira de que dispõem para poderem adquirir alguma moeda, valor que será trocado por possibilidade de continuarem vivas, elas e seus filhos.
            O trajeto era de apenas 300 quilômetros, porém levamos cerca de 10 horas para vencê-lo. Os 100 primeiros eram de asfalto novo, porém o restante é difícil para mim descrevê-los a vocês. O que restou da estrada era composto por panelas enormes e profundas; em média, a cada cinqüenta metros eu precisava frear, reduzir a marcha mínima e deixar que as rodas caíssem de leve dentro do buraco, pois não tinham para onde desviar.
            Mais algumas horas e chegamos a uma região muito montanhosa, tínhamos ali a nossa frente sessenta quilômetros de serra, onde precisávamos subir uma grande altitude e depois descê-la e subir novamente. As curvas eram muito fechadas, chegando ao ponto de formarem diversos degraus, onde os que estavam mais acima, podiam ver os que viam a seguir. Não fossem somente os riscos das curvas fechadas e da estrada estreita, sem acostamento e sem “guard rails”, faziam com que os despenhadeiros que víamos abaixo de nós amedrontassem o soldado que viera comigo de meu segurança. Achando graça falei a ele: “- Veja pelo lado bom, será uma morte rápida.” Ele me olhou assustado.
            A Serra e os buracos nos faziam andar lentamente e um comboio de caminhões brancos da ONU chamaria a tenção de qualquer um, muito mais das enormes quantidade de crianças que vivem as margem da estrada. Centenas delas, talvez milhares, corriam em nossa direção fritando empolgadas. Diziam: “mange, mange”, batendo com as mãos em seus estômagos. Havíamos levado conosco o que chamamos de “catanho”. É composto por um saco plástico contendo um ou dois sanduiches, yorgute, maça, biscoitos e wafers. Possuíamos também algumas garrafas de água. Aquelas cenas nos chocavam. Apesar daquele lanche ser o nosso almoço, sabíamos que encontraríamos comida ao final da viagem. Desta forma, lançávamos aos petits hora uma laranja, hora uma maça, hora um biscoito, até que ficamos sem nada. Se eu tivesse com o meu caminhão cheio de comida e tivesse dado um quilo para cada uma das crianças que nos pediam, eu não teria o suficiente para atender sequer as que nos pediam através dos sessenta quilômetros da Serra, quem dirá dos demais lugares.
            Aqueles pequeninos nos olhavam com aquela carinha de expectativa. Seus corpos negros realçavam ainda mais aquele branco de seus olhos que me pareciam penetrar a alma, eu não tinha nada mais para dar, triste situação.
            Quando nossos corpos não agüentavam mais, parávamos em algum lugar ermo, onde pensávamos não haverem muitas pessoas, mas em questão de minutos, dezenas de crianças nos cercavam. Desciam elas das encostas, ou subiam pelos barrancos. O que elas viam ali eram homens brancos, fortes, segurando armas potentes, usando uniformes de guerra e embarcados em grandes caminhões. Para aqueles, representávamos um mundo desconhecido. Um mundo de coragem, de poder, de glórias e de comida a vontade. Quão longe isto de suas vidas miseráveis e incertas.
            Uma caixa de suco ou uma garrafa d’agua ali deixávamos e, seguíamos novamente. O que continuaríamos a vislumbrar era quase sempre a repetição do que já havíamos visto. Seguíamos, seguíamos, até chegarmos a nosso destino.
            Amigos, muitas outras coisas eu poderia relatar, mas o texto já está por demasiado longo. Logo poderei contar-lhes em detalhes pessoalmente.
            Apenas um pedido eu voz faço, lembrem-se destes nossos irmãos em suas orações!

A banana mais cara que comi até hoje, 5 dólares por 4 bananas. rsrsr