domingo, 24 de junho de 2012

O primeiro beijo...

          - Eu tenho uma pergunta muito importante para te fazer, disse ele bem em frente a ela, segurando as sua mãos e olhando em seus olhos!
            O sol havia retornado naquele dia, para dar-lhe as boas vindas e iluminava o seu rosto, enquanto um pequeno tufo de vento fazia os cachos de seus cabelos dançarem ao ritmo do sobe desce das águas do chafariz. Em uma árvore ali perto, um casal de João-de-barro catavam freneticamente, comemorando a casa agora pronta. Dezenas de peixinhos coloridos, organizados como em um desfile, deslizavam no lago a frente deles.
            Ao ouvir isto ela sorriu, pois já o conhecia o suficiente para saber que aquele ar de seriedade nele, escondia mais uma de suas brincadeiras.
            - Pergunta importante... O que será? E voltou a sorrir, por alguns segundos tentou desviar o seu olhar do dele.
            - Você gosta realmente de cachorros? Disparou ele. Ela ainda sem entender direito, respondeu que sim, e que só não tinha um devido a não ter espaço em sua casa.
            - Mas por que você me perguntou isto? Disse ela novamente.
            - Porque os “meninos” lá de casa querem saber, pois somente assim eles aceitarão que eu namore com você.
            - Ela agora havia entendido a intenção dele, ergueu a cabeça e começou a rir. Ele aproveitou a oportunidade e a beijou, querendo com isto dizer a ela, seja bem vinda a minha vida.
            - Você me beijou? Falou ela sorrindo...
            - Beijei, respondeu ele a beijando novamente.

            Eles ficaram mais alguns minutos sentados ali em frente ao lago, como que absorvendo o esplendor da natureza para dentro de suas almas, depois se foram para outros caminhos, felizes como duas crianças.
           
            Almoço, supermercado, casa. Ele tinha milhões de promessas para dar conta, pois as havia listado em “motivos para você vir para Lages”.
            Ele pegou de seu violão, e inseguro, cantou a primeira música, Pássaro de Fogo. Aquela letra dizia muito dos dois. “Não diga que não. Não negue a você. Um novo amor.Uma nova paixão. Diz pra mim...”             Ela sorria, enquanto os seus olhos se procuravam...

            Como uma boa gauchinha, ela fez o “chima”, sentaram-se no jardim e passaram a conversar... Ela falou de sua vida, suas dores. Ele a ouvia interessado e, a cada palavra a admirava ainda mais. Depois foi a vez dele. Falou de suas experiências, seus fracassos. Ambos abriam seus corações um ao outro. Conheciam-se há quase cinco anos e sabiam tão pouco um do outro.
           
            Palestra, pipoca, cinema, muitos risos. Volta para casa.
            Aquela noite foi longa para ele. Repeliu o sono por horas, pois ele queria aproveitar cada segundo junto dela. Ele aprendeu a reconhecer o padrão da respiração dela quando dormindo. Riu sozinho ouvindo-a estalar os dedos mesmo dormindo. Seus pequenos tremores, seus sons. Tudo para ele era mágico. Sentia-se tão bem com ela em seus braços. Muitas vezes ele ergueu-se sorrateiramente e focou mirando o rosto dela. Como ela é linda! Dizia para si mesmo no silêncio de seus pensamentos.
            Longe dali um galo madrugador já ensaiava as primeiras notas... Ele a abraçou ainda mais forte, passou para a posição “de conchinha”, enfiou seus rosto nos cabelos dela, e deixou que o sono viesse.

            O sol veio novamente confundir-se com o dourado dos cabelos dela, mas eles ainda ficaram por muito tempo trocando carícias, beijos e olhando um para aos olhos do outro. Ele sempre tinha algo bobo para falar para ela, e riram muito. As paredes daquela casa já há muito não sentiam tais vibrações.

            Novamente cozinharam juntos. Ele fez os strogonoff e ela o arroz e a salada. A batata palha compraram pronta. Enquanto esperavam, entre um abrir e fechar de panelas, sorviam um gole de vinho tinto. Ela colocou o seu celular, super, super, hiper para tocar algumas músicas e começaram a dançar. Seus sorrisos e risos eram vida a espalhar-se por todos os recantos, ao mesmo tempo que também serviam de terapia curando feridas.
            Almoçaram pertinho um do outro e ele não deixava faltar no prato dela os champignons que ela adora.

            Os olhos dele baixaram, quando ela disse: - Está na hora, tenho que ir! Ele a viu entrar no ônibus já cheio de saudades. Sentiu-se como uma criança de quem roubaram o doce. Ficou ainda junto a rodoviária, esperando o último tchau e a viu sumir na longa avenida.
            Ela se foi mais uma vez... Ele lembrou dela sorrindo para ele, olhando em seus olhos e dizendo: - Quando eu partir, te deixarei estes tantos momentos lindos que vivemos juntos neste fim de semana para você lembrar.
            Aquilo o consolou... Iria ser seu alimento até o próximo encontro.
            Tchau minha menina dos cachinhos de ouro.


Lages, 24 de junho de 2012.

domingo, 10 de junho de 2012

Você me causou desequilíbrio!


A interiorização das ações supõe, assim, a sua reconstrução sobre um novo plano, e essa reconstrução pode passar pelas mesmas fases, mas com um maior desequilíbrio (décalage) do que a reconstrução anterior da própria ação.(Jean Piaget)


            É impressionante o poder que algumas pessoas têm sobre nós...

            Quando a encontrei, ela estava sentada sobre um sofá, mexendo em seu celular para passar o tempo, já que por um erro muito grave meu, eu estava atrasado. Sorriu para mim, nos abraçamos e seguimos para o nosso destino.
            O frio daquele dia era característico do nosso inverno na Serra Catarinense. As temperaturas já caindo abaixo de zero, provocavam profundas modificações a sua volta. As flores e o verde da praça logo em frente, já não existiam mais. A grama antes vistosa agora mostrava-se mirrada e, as folhas caídas das árvores rolavam sobre ela ao sabor dos tufos de vento. A sensação térmica era ainda mais contundente, o que nos fazia contrair os músculo e colarmos um no outro como uma forma autônoma de compartilhar calor. Destemidos, seguimos em frente...
            Adentramos o espaço da Festa do Pinhão e passamos a divagar pelos diversos locais, aproveitando que por ser cedo a multidão ainda não havia tomado conta de tudo. Mais tarde nos dirigimos até o palco principal e ficamos a esperar pela Paula Fernandes. As horas passaram e, fez com que o pequeno grupo que estava ali próximo a cerca, passasse a ser um pequeno ponto entre cinquenta mil pessoas.
            Assistimos ao primeiro show e depois passamos para outros locais, pois o sertanejo que viria depois não era a nossa praia. No palco tradicionalista nos demoramos por algum tempo, dançamos algumas milongas e vaneras e, depois experimentarmos a paçoca de pinhão e o entreveiro, fomos para casa.
            No outro dia, vimos algumas fotos de minhas viagens, fizemos um delicioso almoço e no meio da tarde ela partiu de volta para a sua cidade. No entanto nem ela mesma poderia imaginar o que deixaria para trás...

            Mesmo antes de o ônibus partir, eu já me sentia inquieto. Alguma coisa havia me desequilibrado... Sentia-me pensativo, inquieto. O que era isto?
            Voltei para casa mais ensimesmado ainda. Algumas frases dela insistiam em reverberar em meus pensamentos. Que coisa estranha!
           
            Em poucas horas recebi sua mensagem de que havia chegado em casa e que tudo estava bem. Me respondeu algumas coisas e terminou dizendo que eu havia esquecido de tocar para ela. Olhei o violão por sobre o sofá e pensei como nós dois poderíamos retribuir tanto carinho...

            A noite foi agitada... Dormindo, acordado, sonhando, a sensação era a mesma: Dúvidas! Eu tinha a impressão que o meu mundo certinho, a bolha que eu havia demoradamente construído, havia estourado e agora eu me sentia exposto, nu, diante de mim mesmo...
            Seus gestos e palavras continuavam a me rondar. Passei então a prestar mais atenção em meus pensamentos...
            Quem era esta desconhecida que eu conheço já há bastante tempo? Passeia a organizar as minhas memórias, por em ordem certos fatos.
            Os anos de convívio com ela haviam passado serenes. Sempre fomos bons amigos e estivemos juntos em tantas situações. Recordei o seu estilo quieta, que fala pouco apesar de sua enorme inteligência e, ai me dei conta de algo: Ela é uma ótima observadora! É isso! Pensei, as pessoas que falam menos podem concentrar sua atenção em reter muito mais detalhes do mundo a sua volta.
            Mas seria eu digno de sua atenção? Neste momento lembrei-me de algo que havia acontecido há mais de dois anos. Procurei em meu celular uma mensagem que ela havia me enviado naquela data e a encontrei, pois guardo nele as coisas que me tocam: “Tadeu! Assim como as demais pessoas, também te achei um pouco tristinho hoje. Não sei se é o que está acontecendo, mas caso em algum momento queira conversar...”. É, ela realmente é uma ótima observadora... Percebi que não foi somente naquele momento, mas em todo o nosso convívio. Provavelmente eu me surpreenderia ouvindo-a falar de coisas sobre mim...
            Bem, se ela é uma ótima observadora, acredito que eu também o sou. Assim passei a relembrar os fatos daquele nosso dia anterior...
            A sua postura é digna de se registrar. Se falarmos em ética e moral, ela é um exemplo vivo. Jamais notei algo que a desabone em qualquer sentido que seja.
            Me dei conta de como ela havia registrado cada momento, cada palavra minha. Não somente naquele dia, mas de outros também e, que me dava conta somente agora. Um exemplo disto foi que antes de voltar para casa, ela se dirigiu para o jardim de minha casa e observou tudo. Eu quis justificar que ele estava feio, pois agora devido ao inverno, as flores haviam secado e as folhas espalhavam-se pela grama. Mas o seu objetivo era outro e, então ela me perguntou: - Cadê a cascata que você disse que iria fazer ali naquele canto?
            Ela lembrava... Lembrava de algo que eu havia lhe dito a mais de um ano. Eu realmente não havia construído a cascata, nem o lago... E ela queria checar isto, pois nota o desânimo que eu ando já há bastante tempo... Ela estava me analisando...
            Não é a toa que é psicóloga. Saber observar é a primeira e principal característica de um psicólogo. Sobre isto, lembrei também que naquele dia, durante uma de nossas conversas, após eu lhe falar algumas coisas sobre mim, e perguntar o que ela achava daquilo. Sua resposta ainda ecoa: - Tedy, eu não sou a sua terapeuta! Que visão! Que postura! Desta forma ela deixou claro para mim a sua posição. Admiro muito as pessoas que sabem se posicionar de forma clara e atendendo as suas necessidades, não a de agradar aos outros.
            Nossas outras conversas também vieram. Lembrei-me de uma mais recente onde ela havia me dito que não acreditava que eu não estava fazendo terapia, pois em nossa profissão, sempre é importante estarmos sendo orientados por outro profissional. No entanto entendo agora que ela não se restringia a isto. Preciso lhe confessar que mesmo “você não sendo a minha terapeuta”, você fez comigo o que nenhuma terapeuta fez ainda: Você me fez questionar o mundo que eu construí para viver... Você mexeu com as minhas estruturas.
            Me senti muito bem em sua companhia. Dançando, rindo, tremendo de frio.
            Fazermos o almoço juntos foi maravilhoso! Há muito tempo eu não me sentia assim, nem cozinhar eu faço mais. Me senti cuidado. Motivado a fazer coisas que são muito simples, mas que ao mesmo tempo podem ser maravilhosas. Eu havia me esquecido disto... Você me fez sentir-me vivo. Você trouxe alegria para esta casa enorme e triste.
            Ontem olhei para estas paredes e móveis e vi coisas que já não via mais. Ajustei algumas portas de armários que estavam desalinhadas há anos. Recoloquei alguns parafusos de volta a seus lugares. Permiti-me até a pensar em esvazias certos armários e gavetas com guardam coisas há muito tempo.
            Quero que você saiba de uma coisa... Em vez de você ter vindo a Lages para assistir a um show qualquer, para fazer algo de que gosta. Você fez muito mais do que isto, mesmo não querendo fazer... Simplesmente sendo o que você é.
            Obrigado!

Lages, 10 de junho de 2012.