sábado, 25 de junho de 2011

Um Amor para Recordar


            Era mais uma tarde de sábado, Eduardo havia chegado em casa já passado de uma hora da tarde, pois estava trabalhando em sua loja. Isto acontecia todas as semanas. Ele comeu sozinho algo que Mônica havia preparado para o almoço e, após escovar os dentes deitou-se cansado sobre o sofá.
            Passados alguns minutos Mônica veio de seu quarto para a sala e olhando o seu amor ali, daquele jeito, ficou meditando sobre o que poderia fazer para tirar Eduardo daquele sofá e proporcionar-lhe algo prazeroso que ele já não fazia há muito tempo.
Ela aconchegou-se junto a ele como somente ela sabia fazer. Agindo como um cachorrinho esperto, foi se ajeitando, ajeitando no pouco espaço disponível no sofá. Ele a envolveu em seus braços e finalmente couberam os dois.
Ficaram ali abraçadinhos por alguns minutos. Naqueles momentos, palavras não eram necessárias, pois seus corpos e a ligação que tinham um com o outro falavam mais que qualquer outra linguagem.
Mônica suspirou de um jeito que sempre fazia, girou sua cabeça em direção ao rosto dele e olhando em seus olhos falou: “- Você me ama?”. Ele sorriu para ela e respondeu: “- Não!”. Sorriu do novo e ficou de palhaçada. Ela voltou seu rosto de volta à posição original, aproximou o seu corpo ao dele com ainda mais força e juntou as suas mãos as dele. Como ela queria ouvir da boca dele um “Eu te amo sim! Eu te adoro, não vivo sem você!”, mas sabia de como era difícil para Eduardo falar de amor... Ele crescera sem ter qualquer experiência com declarações afetivas e agora não conseguia fazer com que as palavras escorregassem por seus lábios. Apesar disto, ela sabia que ele a amava, e muito. Ele não falava isto por palavras, no entanto todas as suas atitudes para com ela afirmavam que sim e isto a confortava de alguma forma, embora sentisse muita falta dos poemas e cartinhas dos primeiros anos.
De repente Mônica teve um insight: - “Dudu, qual tal a gente ir naquele pesque e pague no Vale das Trutas?”. Quando? Perguntou ele animado. Agora, respondeu ela. “- Nós poderíamos pegar a Biz e irmos lá”, provocou ela, pois sabia que ele adorava passear de moto. Ele mudou a expressão de seu rosto para melhor, o cansaço daquela semana de muito trabalho e estudos sumiu e respondeu: “– Então vamos nos arrumar e partir logo, para podermos aproveitar o dia”.

Short, camiseta regata e chinelo eles usaram, ela ainda pegou seu boné. Capacetes vestidos e ajustados e o motor deu partida.
Andaram uns quatro quilômetros e a paisagem rural tornou-se dominante. Era Primavera, o dia estava muito agradável e eles curtiam o prazer do contato do vento em seus corpos. Eduardo estava transformado...
Quem o visse agora, não iria acreditar que há meia hora ele estivesse tão desanimado. Ele acelerava a pequena moto ao seu máximo. De tempo em tempos olhava para trás e sua mão esquerda dava tapinhas nas conchas dela, ela sorria. Em seguida, pressionava suas costas contra os seios dela para provoca-la e ela dava-lhe pequenos beliscões em sua barriga. Assim iam eles felizes.

O trecho de asfalto acabara. Eduardo saiu da pista e entrou a direita por uma estrada de terra batida, ainda teriam oito quilômetros para vencerem, até chegarem ao vale. O lugar agora era composto por diversas fazendas e chácaras. O cheiro da terra e do gado lhes chegava até as narinas e não era ruim não. Ele muitas vezes pensava em diminuir o seu ritmo de trabalho e um dia destes comprar um lugar daqueles para virem passar os finais de semana, mas isto nunca acontecia.
A estrada ia se afinando cada vez mais. Os pinheiros araucárias mostravam-se majestosos ao longo do caminho, como se fossem sentinelas fiéis daquelas paragens e a passagem do casal na motinho azul, muitas vezes chamava a atenção dos moradores que lhes saudavam gentilmente.
Eduardo precisou reduzir, pois algumas vacas ocupavam a estrada. Mais a frente eram as galinhas, que ouvindo o barulho e a rápida aproximação, erguiam suas asas e cocoricando corriam desesperadas.
Agora a estrada era somente um espaço de terra entre a mata. O silêncio daquele santuário era quebrado apenas pelo canto dos pássaros que pulavam de galho em galho.

De repente eles pararam.
Seus pulmões aspiraram sôfregos aqueles ares tão puros. Seus olhos e ouvidos se deliciaram com a visão e o som do que havia adiante... Um riacho descia da montanha por entre as matas e a estrada fez uma pausa para ele.
Mônica falou: “- E agora Dudu, como vamos passar? Ele deu um sorriso maroto e respondeu: “- Por dentro d’água é claro! Mas não vamos cair? Falou ela preocupada. Ele ainda sacana respondeu: “- Isto nós só iremos saber depois que estivermos ali dentro” e sorriu mais uma vez. Mônica estava com medo, mas já conhecia Eduardo o suficiente para saber que ele estava era tirando onda com ela e que não iria coloca-la em perigo, embora algumas vezes os planos dele não dessem certo. Ele engrenou a marcha e ela apertou com força a cintura dele. Eduardo acelerou a Biz com energia e fazendo movimentos de ziguezague venceram o pequeno riacho, tendo ao final somente seus pés molhados. Ele olhou para ela com toda a satisfação de um macho, como a dizer: “viu como sou bom e cuido de você?” Ela sorriu.

Mais alguns metros e ali estava o Vale das Trutas. Eduardo estacionou a moto, eles tiraram seus capacetes e os colocaram no guidom. Olharam a paisagem à volta e cada vez que vinham ali, achavam aquele lugar ainda mais bonito.

Ele olhou para ela com um olhar de quem agradecia... e disse para si mesmo: como ela é linda!
Mônica iria completar trinta e quatro anos, e para ele a cada ano ela ficava mais bonita. Seus cabelos loiros estavam desalinhados devido ao capacete e o vento agora os fazia bailar de acordo com sua música. Mônica percebeu o quanto de amor ele lhe dedicava naquela atitude, prendeu o cabelo e o abraçou.
Os olhos de ambos vislumbraram um pequeno córrego ali próximo e dirigiram-se para lá. Uma calha de madeira recolhia água de uma sanga e depois a descarregava sobre uma roda d’agua, fazendo-a girar desajeitada. Abraçados um ao outro, curtiram aquele lugar e depois se dirigiram para um barzinho rústico que o proprietário havia construído ali. Olharam o cardápio e acabaram por escolher tomar uma cerveja e comer postas de truta. Eduardo e Mônica curtiram cada gole e cada bocado e depois de mãos dadas saíram a passear.

Mônica já acostumara com o espírito aventureiro de Eduardo, que onde ia, precisava redescobrir tudo. Ele tinha que ficar bem na beirinha dos lagos e não se contentando, passou a andar entre os diversos tanques para a criação das trutas, comparando uns com os outros. Ela o observava com atenção e carinho e refletia sobre como ele muitas vezes ainda se comportava como uma criança. Aquele homem menino era o seu grande amor.
Eduardo voltou para junto dela com os pés sujos de barro e com muitas frases iniciadas por “você viu?”. Uma mão procurou a outra automaticamente e continuaram o passeio, quem os observasse ali, pensaria que eram recém-casados, apesar de já estarem juntos há dezessete anos.
Entraram em um bosque. Eduardo viu algumas churrasqueiras e prometeu que viriam ali fazer um almoço em algum domingo. Ficaram parados olhando para um riacho maior que escorria barulhento por entre a mata e depois voltaram ao campo.

O que Eduardo viu em seguida fez com que seus olhos faiscassem. Ele olhava encantado para uma grande árvore a frente deles. De um de seus galhos muito alto, desciam um par de cordas que sustentavam um balanço. Ele olhou para ela e ela entendendo tudo, já foi respondendo: “– Nem venha Dudu, já sei que você quer me colocar ali para me derrubar”. Ele a abraçou forte e respondeu: “– Não meu amor, eu só quero te balançar”. Ela cedeu...

Mônica sentou-se sobre o balanço e como as cordas eram muito longas, para poder balançar, somente se alguém puxasse com outra corda que estava amarrada na cadeira. Eduardo naquele momento se sentia como um príncipe poderoso que iria salvar a sua princesa. Tomou da corda e saiu correndo para impulsionar o balanço. Em seu intento, não viu as grandes raízes da árvore que se espalhavam pelo chão, tropeçou em uma delas e foi parar no chão. Quando Mônica viu a cena, não se conteve. Teve um ataque de rizo que não parava mais. Eduardo no chão, enrolado na corda e Mônica dando gargalhadas. Por fim ele se rendeu e passou a rir também. Depois levantou, inventou uma desculpa qualquer e desta vez tomou cuidado com as raízes.
Eduardo puxava a corda ao máximo, depois a soltava e voltava a repetir a mesma ação. Mônica riscava o ar cada vez mais veloz. Ela curtia cada momento e seu pensamento voltou-se à seus dias de infância. Deu-se conta de há quanto tempo já não fazia mais aquilo. Por fim, Eduardo acabou se cansando de correr de um lado para o outro e sentando na grama ficou olhando Mônica se balançar, parecia uma menina a sua menina.
O Sol já estava baixo e resolveram voltar para casa. Aquele dia nunca mais sairia de suas lembranças.

Poucos meses depois, Mônica partiu... Ficando também partido o coração de Eduardo, que nunca mais cicatrizou. Mas isto não foi o fim deles. Ainda hoje, de tempos em tempos eles se encontram durante o sono de Eduardo, e adivinhe qual é o lugar preferido deles se encontrarem?

Port-au-Prince, 25 de junho de 2011.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Uma ave chamada Alegria

Era uma vez uma avizinha ainda muito jovem que vivia em uma pequena floresta junto com seu pai. Esta ave, desde muito cedo demonstrava sua inteligência e inquietação com as coisas a sua volta. Enquanto muitas outras aves de sua idade ficavam a voar sem destino, apenas aproveitando o prazer de voar, esta, devorava livros e mais livros, que seu pai, muito satisfeito, sempre lhe oferecia.
Os filósofos da antiguidade eram-lhe familiares e vezes ou outra eles iniciavam discussões demoradas, eram duas gerações a juntarem conhecimentos, não a se conflitarem. O papai pássaro se esforçava muito para entender o que se passava na mente daquela avezinha. Algumas vezes não entendia, sentia-se até incapaz, mais não desanimava.
Ela por sua vez tinha muitos sonhos. Acreditava que a forma como via as coisas era a única certa e fechando-se em si mesma, como uma ostra, acreditava que estaria imune as coisas do mundo as quais ela detestava. Acreditava que nunca iria mudar e, que sua missão era abrir a mente das multidões. Fazê-los entender de que a maneira como eles agiam não era a certa.
À medida que ela crescia, suas penas ficavam mais coloridas, suas asas mais fortes e um desejo cada vez maior de abandonar aquela floresta, que segundo ela, era ocupada por aves que não a entendiam e, não podiam lhe proporcionar maior crescimento.
Ela vislumbrava uma grande e antiga mata. De lá já há séculos saiam às ideias que revolucionavam todas as coisas. Lá, haveria de ter muito mais aves que pensavam como ela. Lá ela conseguiria aliados, aprenderia muito e finalmente estaria em um lugar que poderia lhe fornecer tudo de que ela precisava.
Seu paizinho ouvia todos os seus anseios e sempre que percebia uma brecha, ponderava os seus pontos de vista, porém nunca dizendo-lhe que ela estava totalmente errada, mas sim, chamando-a a reflexão sobre alguns pontos que ele achava importante.
Assim eles viviam naquele imenso ninho que desde que a mamãe pássaro havia partido, era triste e solitário.
Agora a avezinha estava finalmente crescida. Em alguns dias alcançaria a sua maioridade e suas asas não se continham mais. Era como Fernão Capela Gaivota, precisava alçar grandes altitudes e romper distancias. Na grande floresta do Norte ela seria finalmente feliz e, no último dia daquele ano ela iniciou a grande jornada.
Seu pai viu-a subir, subir, subir, até que seus olhos não a avistaram mais. Seu coração bateu descompensado e sua respiração quase parou. Sabia que teria pela frente mais uma grande saudade e não sabia se aguentaria isto.
Ele não conseguiu ficar mais naquele ninho, sem suas princesinhas e decidiu também que precisava partir. Soube de uma floresta muito distante que precisava de quem pudesse ajuda-los a se reconstruírem e para lá partiu também. Naquele ninho outrora feliz, agora havia só um imenso vazio. Suas paredes ficaram frias, suas cores esvaneceram-se.
Hoje ela anda pelas ruas e praças geladas do Velho Mundo e percebe que aquele gelo não aqueceu o seu coração. Ali ela pôde ver e conviver com aves de todo o mundo no entanto, em um dia qualquer se deu conta de que eles não eram melhores do que ela não. Na verdade, entendia agora que lá no pequeno bosque em que vivia, haviam muitas aves melhores do que aquelas. Que não é o lugar em que se vive que nos fará felizes mas, sim o rumo que damos para a nossa vida.
Naquela noite, presa a inúmeras indagações, o sono demorou novamente a chegar. Quando finalmente dormiu, sonhou que estava de volta à seu ninho. Sentiu-se aquecida como já a muito não sentia-se e, quando olhou para fora viu todos os habitantes do bosque reunidos ao seu redor. Eles estavam todos em silêncio e seus olhares apontavam para ela. Foi ai, no mundo de Morfeu que se deu conta de sua missão. Todos aqueles que lhe esperavam ávidos, eram o seu povo. Ali estavam enterrados os seus antepassados. As plumas de seus pais ainda flutuavam por ali e, se ela queria transformar as coisas, por que não começar por suas origens? De que lhe serviam tantos conhecimentos se, os guardava só para si?
O ambiente a sua volta mudou. Ela agora havia retornado a Grã-Bretanha. Sentada em um barco sobre o rio Tâmisa, viu que a paisagem a sua volta começou a desmoronar. A primeira a cair foi a “Torre de Londres” e com ela todas as suas histórias de atrocidades e poder. Depois caiu o Big Ben, cujo sino gigantesco rolou até o rio. Em seguida viu a London Bridge cair por sobre o navio de guerra Belfast, afundando-o também. Assim, a medida que via tudo ruir, sentia ruir também suas velhas estruturas.

No outro lado do Pacífico, seu pai estava envolvido em grandes cismas. Já não a via há quase seis meses e a saudade já não lhe cabia mais no peito. Ele sentiu uma enorme vontade de abraça-la, de tocar o seu rosto com suas mãos, de sentir o seu calor e de ver o seu sorriso. Olhou para o calendário e contou os dias; ainda faltavam quase três meses para isto fosse possível. Suspirou, baixou a cabeça e seus olhos se inundaram. Saudade, como ele sabia bem o que era isto.

Ela acordou ofegante e, por alguns minutos não sabia onde se encontrava. Por fim, seus pés tocaram o chão do lugar onde morava agora, se dirigiu até a janela e, olhando a cidade de dois mil anos ao seu redor, sentiu que aquele não era mais o seu lugar. Decidiu voltar.

Port-au-Prince, 08 de junho de 2011.