Hoje acordei cedinho e, após embarcarmos os botes nos caminhões, pegamos nosso armamento e munição e partimos, seriam 60 km até o lago Azuei.
Porto Príncipe é uma cidade enorme, dois milhões de pessoas vivem aqui, sem os mínimos requisitos básicos. Roma, já a mais de dois mil anos, tinha um sistema de distribuição de água e saneamento, aqui não tem nada. Fora a multidão de pessoas, existe aqui somente algumas ruas para escoar o trânsito, as restantes são somente becos. Neste ritmo, levamos mais de uma hora para sairmos para a periferia.
À medida que prosseguíamos, a zona rural se fez presente, mas na verdade, a única coisa que mudou foi a quantidade de casas, pois a forma como as mesmas são construídas (barracas, ou tijolos de concreto empilhados) não mudou quase nada. A população rural também vive na miséria e lava roupa e se banha nos esgotos que margeiam a rodovia.
Agora as montanhas enfumaçadas que vislumbro diariamente, estavam ali próximas a mim. Quilômetros e quilômetros delas, sem uma árvore para enfeitá-las, só a secura, a areia branca, os espinhos.
Em meio a tanto desconsolo, eis que avistei um imenso lago azul. Sua beleza realmente é encantadora, devido a sua extensão e volume d’água, mas ali também não existe muita vida, somente alguns pequenos marrequinhos, foi o que vi de ecossistema.
Chegamos ao nosso destino. Os botes descerram dos caminhões e os motores de popa foram instalados. Como meu objetivo ali era o de testar o alcance de nossos equipamentos de comunicação, instalei a antena no rádio, coloquei o colete salva-vidas e ocupei o meu lugar.
Nosso batalhão é o único aqui no Haiti que possui botes militares, e por este motivo, tem a missão de patrulhar a fronteira do Haiti com a República Dominicana, cujo objetivo é coibir o contrabando através do lago. No dia de hoje, nos acompanhava uma repórter brasileira que veio a trabalho ao Haiti.
Os remos nos deram o primeiro impulso e logo os motores foram acionados. O vento estava forte e por isto havia muitas marolas. O bote ai de encontro a elas e no embate entre as duas forças, jatos d’água viam em nossa direção. Os solavancos eram muitos. Com uma de minhas mãos eu segurava o rádio e com a outra a corda que circula o barco; eu tinha a impressão que era um ginete a cavalgar um potro xucro.
O sol da manhã nos saldava e aquecia, fazendo com que não nos importássemos de estarmos molhados. Margeamos uma grande extensão do lago, chegando até a divisa entre os dois países que dividem Hispaniola. De tempos em tempos, passávamos rápidos por pequenas aldeias de pescadores, onde sempre muitas crianças corriam a margem para nos acenar. Aquelas “petits”, quase sempre estavam nuas, demonstrando a cultura ainda muito tribal que ali existe. Porcos, cabritos e vacas, dividem com eles o espaço onde moram e a água em que se banham e a qual consomem, coisa muito normal aqui.
Após mais uma hora de navegação, encaramos o vento de polpa e retornamos ao ponto de partida. Nada de anormal foi encontrado e mais uma missão havia sido cumprida. A margem nos esperava nosso pessoal motorista e os da segurança, mais uma dúzia de garotos da região que haviam se juntado ali.
Recolocamos tudo no caminhão e encaramos a dura viagem de volta. Mais um dia se passou.
Port-au-Prince, 25 de março de 2011.