A interiorização das ações supõe, assim, a sua reconstrução sobre um
novo plano, e essa reconstrução pode passar pelas mesmas fases, mas com um
maior desequilíbrio (décalage) do que a reconstrução anterior da própria ação.(Jean
Piaget)
É impressionante o poder que algumas
pessoas têm sobre nós...
Quando a encontrei, ela estava
sentada sobre um sofá, mexendo em seu celular para passar o tempo, já que por
um erro muito grave meu, eu estava atrasado. Sorriu para mim, nos abraçamos e
seguimos para o nosso destino.
O frio daquele dia era característico
do nosso inverno na Serra Catarinense. As temperaturas já caindo abaixo de
zero, provocavam profundas modificações a sua volta. As flores e o verde da
praça logo em frente, já não existiam mais. A grama antes vistosa agora
mostrava-se mirrada e, as folhas caídas das árvores rolavam sobre ela ao sabor
dos tufos de vento. A sensação térmica era ainda mais contundente, o que nos
fazia contrair os músculo e colarmos um no outro como uma forma autônoma de
compartilhar calor. Destemidos, seguimos em frente...
Adentramos o espaço da Festa do
Pinhão e passamos a divagar pelos diversos locais, aproveitando que por ser
cedo a multidão ainda não havia tomado conta de tudo. Mais tarde nos dirigimos
até o palco principal e ficamos a esperar pela Paula Fernandes. As horas
passaram e, fez com que o pequeno grupo que estava ali próximo a cerca,
passasse a ser um pequeno ponto entre cinquenta mil pessoas.
Assistimos ao primeiro show e depois
passamos para outros locais, pois o sertanejo que viria depois não era a nossa
praia. No palco tradicionalista nos demoramos por algum tempo, dançamos algumas
milongas e vaneras e, depois experimentarmos a paçoca de pinhão e o entreveiro,
fomos para casa.
No outro dia, vimos algumas fotos de
minhas viagens, fizemos um delicioso almoço e no meio da tarde ela partiu de
volta para a sua cidade. No entanto nem ela mesma poderia imaginar o que
deixaria para trás...
Mesmo antes de o ônibus partir, eu
já me sentia inquieto. Alguma coisa havia me desequilibrado... Sentia-me
pensativo, inquieto. O que era isto?
Voltei para casa mais ensimesmado
ainda. Algumas frases dela insistiam em reverberar em meus pensamentos. Que
coisa estranha!
Em poucas horas recebi sua mensagem
de que havia chegado em casa e que tudo estava bem. Me respondeu algumas coisas
e terminou dizendo que eu havia esquecido de tocar para ela. Olhei o violão por
sobre o sofá e pensei como nós dois poderíamos retribuir tanto carinho...
A noite foi agitada... Dormindo,
acordado, sonhando, a sensação era a mesma: Dúvidas! Eu tinha a impressão que o
meu mundo certinho, a bolha que eu havia demoradamente construído, havia
estourado e agora eu me sentia exposto, nu, diante de mim mesmo...
Seus gestos e palavras continuavam a
me rondar. Passei então a prestar mais atenção em meus pensamentos...
Quem era esta desconhecida que eu conheço
já há bastante tempo? Passeia a organizar as minhas memórias, por em ordem
certos fatos.
Os anos de convívio com ela haviam
passado serenes. Sempre fomos bons amigos e estivemos juntos em tantas
situações. Recordei o seu estilo quieta, que fala pouco apesar de sua enorme
inteligência e, ai me dei conta de algo: Ela é uma ótima observadora! É isso! Pensei,
as pessoas que falam menos podem concentrar sua atenção em reter muito mais
detalhes do mundo a sua volta.
Mas seria eu digno de sua atenção?
Neste momento lembrei-me de algo que havia acontecido há mais de dois anos. Procurei
em meu celular uma mensagem que ela havia me enviado naquela data e a
encontrei, pois guardo nele as coisas que me tocam: “Tadeu! Assim como as demais pessoas, também te achei um pouco tristinho
hoje. Não sei se é o que está acontecendo, mas caso em algum momento queira
conversar...”. É, ela realmente é uma ótima observadora... Percebi que não
foi somente naquele momento, mas em todo o nosso convívio. Provavelmente eu me
surpreenderia ouvindo-a falar de coisas sobre mim...
Bem, se ela é uma ótima observadora,
acredito que eu também o sou. Assim passei a relembrar os fatos daquele nosso
dia anterior...
A sua postura é digna de se
registrar. Se falarmos em ética e moral, ela é um exemplo vivo. Jamais notei
algo que a desabone em qualquer sentido que seja.
Me dei conta de como ela havia
registrado cada momento, cada palavra minha. Não somente naquele dia, mas de
outros também e, que me dava conta somente agora. Um exemplo disto foi que antes
de voltar para casa, ela se dirigiu para o jardim de minha casa e observou
tudo. Eu quis justificar que ele estava feio, pois agora devido ao inverno, as
flores haviam secado e as folhas espalhavam-se pela grama. Mas o seu objetivo
era outro e, então ela me perguntou: - Cadê
a cascata que você disse que iria fazer ali naquele canto?
Ela lembrava... Lembrava de algo que
eu havia lhe dito a mais de um ano. Eu realmente não havia construído a cascata,
nem o lago... E ela queria checar isto, pois nota o desânimo que eu ando já há
bastante tempo... Ela estava me analisando...
Não é a toa que é psicóloga. Saber
observar é a primeira e principal característica de um psicólogo. Sobre isto,
lembrei também que naquele dia, durante uma de nossas conversas, após eu lhe
falar algumas coisas sobre mim, e perguntar o que ela achava daquilo. Sua
resposta ainda ecoa: - Tedy, eu não sou a
sua terapeuta! Que visão! Que postura! Desta forma ela deixou claro para
mim a sua posição. Admiro muito as pessoas que sabem se posicionar de forma
clara e atendendo as suas necessidades, não a de agradar aos outros.
Nossas outras conversas também
vieram. Lembrei-me de uma mais recente onde ela havia me dito que não
acreditava que eu não estava fazendo terapia, pois em nossa profissão, sempre é
importante estarmos sendo orientados por outro profissional. No entanto entendo
agora que ela não se restringia a isto. Preciso lhe confessar que mesmo “você não
sendo a minha terapeuta”, você fez comigo o que nenhuma terapeuta fez ainda:
Você me fez questionar o mundo que eu construí para viver... Você mexeu com as
minhas estruturas.
Me senti muito bem em sua companhia.
Dançando, rindo, tremendo de frio.
Fazermos o almoço juntos foi
maravilhoso! Há muito tempo eu não me sentia assim, nem cozinhar eu faço mais.
Me senti cuidado. Motivado a fazer coisas que são muito simples, mas que ao
mesmo tempo podem ser maravilhosas. Eu havia me esquecido disto... Você me fez
sentir-me vivo. Você trouxe alegria para esta casa enorme e triste.
Ontem olhei para estas paredes e
móveis e vi coisas que já não via mais. Ajustei algumas portas de armários que
estavam desalinhadas há anos. Recoloquei alguns parafusos de volta a seus
lugares. Permiti-me até a pensar em esvazias certos armários e gavetas com
guardam coisas há muito tempo.
Quero que você saiba de uma coisa...
Em vez de você ter vindo a Lages para assistir a um show qualquer, para fazer
algo de que gosta. Você fez muito mais do que isto, mesmo não querendo fazer...
Simplesmente sendo o que você é.
Obrigado!
Lages,
10 de junho de 2012.
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