domingo, 10 de junho de 2012

Você me causou desequilíbrio!


A interiorização das ações supõe, assim, a sua reconstrução sobre um novo plano, e essa reconstrução pode passar pelas mesmas fases, mas com um maior desequilíbrio (décalage) do que a reconstrução anterior da própria ação.(Jean Piaget)


            É impressionante o poder que algumas pessoas têm sobre nós...

            Quando a encontrei, ela estava sentada sobre um sofá, mexendo em seu celular para passar o tempo, já que por um erro muito grave meu, eu estava atrasado. Sorriu para mim, nos abraçamos e seguimos para o nosso destino.
            O frio daquele dia era característico do nosso inverno na Serra Catarinense. As temperaturas já caindo abaixo de zero, provocavam profundas modificações a sua volta. As flores e o verde da praça logo em frente, já não existiam mais. A grama antes vistosa agora mostrava-se mirrada e, as folhas caídas das árvores rolavam sobre ela ao sabor dos tufos de vento. A sensação térmica era ainda mais contundente, o que nos fazia contrair os músculo e colarmos um no outro como uma forma autônoma de compartilhar calor. Destemidos, seguimos em frente...
            Adentramos o espaço da Festa do Pinhão e passamos a divagar pelos diversos locais, aproveitando que por ser cedo a multidão ainda não havia tomado conta de tudo. Mais tarde nos dirigimos até o palco principal e ficamos a esperar pela Paula Fernandes. As horas passaram e, fez com que o pequeno grupo que estava ali próximo a cerca, passasse a ser um pequeno ponto entre cinquenta mil pessoas.
            Assistimos ao primeiro show e depois passamos para outros locais, pois o sertanejo que viria depois não era a nossa praia. No palco tradicionalista nos demoramos por algum tempo, dançamos algumas milongas e vaneras e, depois experimentarmos a paçoca de pinhão e o entreveiro, fomos para casa.
            No outro dia, vimos algumas fotos de minhas viagens, fizemos um delicioso almoço e no meio da tarde ela partiu de volta para a sua cidade. No entanto nem ela mesma poderia imaginar o que deixaria para trás...

            Mesmo antes de o ônibus partir, eu já me sentia inquieto. Alguma coisa havia me desequilibrado... Sentia-me pensativo, inquieto. O que era isto?
            Voltei para casa mais ensimesmado ainda. Algumas frases dela insistiam em reverberar em meus pensamentos. Que coisa estranha!
           
            Em poucas horas recebi sua mensagem de que havia chegado em casa e que tudo estava bem. Me respondeu algumas coisas e terminou dizendo que eu havia esquecido de tocar para ela. Olhei o violão por sobre o sofá e pensei como nós dois poderíamos retribuir tanto carinho...

            A noite foi agitada... Dormindo, acordado, sonhando, a sensação era a mesma: Dúvidas! Eu tinha a impressão que o meu mundo certinho, a bolha que eu havia demoradamente construído, havia estourado e agora eu me sentia exposto, nu, diante de mim mesmo...
            Seus gestos e palavras continuavam a me rondar. Passei então a prestar mais atenção em meus pensamentos...
            Quem era esta desconhecida que eu conheço já há bastante tempo? Passeia a organizar as minhas memórias, por em ordem certos fatos.
            Os anos de convívio com ela haviam passado serenes. Sempre fomos bons amigos e estivemos juntos em tantas situações. Recordei o seu estilo quieta, que fala pouco apesar de sua enorme inteligência e, ai me dei conta de algo: Ela é uma ótima observadora! É isso! Pensei, as pessoas que falam menos podem concentrar sua atenção em reter muito mais detalhes do mundo a sua volta.
            Mas seria eu digno de sua atenção? Neste momento lembrei-me de algo que havia acontecido há mais de dois anos. Procurei em meu celular uma mensagem que ela havia me enviado naquela data e a encontrei, pois guardo nele as coisas que me tocam: “Tadeu! Assim como as demais pessoas, também te achei um pouco tristinho hoje. Não sei se é o que está acontecendo, mas caso em algum momento queira conversar...”. É, ela realmente é uma ótima observadora... Percebi que não foi somente naquele momento, mas em todo o nosso convívio. Provavelmente eu me surpreenderia ouvindo-a falar de coisas sobre mim...
            Bem, se ela é uma ótima observadora, acredito que eu também o sou. Assim passei a relembrar os fatos daquele nosso dia anterior...
            A sua postura é digna de se registrar. Se falarmos em ética e moral, ela é um exemplo vivo. Jamais notei algo que a desabone em qualquer sentido que seja.
            Me dei conta de como ela havia registrado cada momento, cada palavra minha. Não somente naquele dia, mas de outros também e, que me dava conta somente agora. Um exemplo disto foi que antes de voltar para casa, ela se dirigiu para o jardim de minha casa e observou tudo. Eu quis justificar que ele estava feio, pois agora devido ao inverno, as flores haviam secado e as folhas espalhavam-se pela grama. Mas o seu objetivo era outro e, então ela me perguntou: - Cadê a cascata que você disse que iria fazer ali naquele canto?
            Ela lembrava... Lembrava de algo que eu havia lhe dito a mais de um ano. Eu realmente não havia construído a cascata, nem o lago... E ela queria checar isto, pois nota o desânimo que eu ando já há bastante tempo... Ela estava me analisando...
            Não é a toa que é psicóloga. Saber observar é a primeira e principal característica de um psicólogo. Sobre isto, lembrei também que naquele dia, durante uma de nossas conversas, após eu lhe falar algumas coisas sobre mim, e perguntar o que ela achava daquilo. Sua resposta ainda ecoa: - Tedy, eu não sou a sua terapeuta! Que visão! Que postura! Desta forma ela deixou claro para mim a sua posição. Admiro muito as pessoas que sabem se posicionar de forma clara e atendendo as suas necessidades, não a de agradar aos outros.
            Nossas outras conversas também vieram. Lembrei-me de uma mais recente onde ela havia me dito que não acreditava que eu não estava fazendo terapia, pois em nossa profissão, sempre é importante estarmos sendo orientados por outro profissional. No entanto entendo agora que ela não se restringia a isto. Preciso lhe confessar que mesmo “você não sendo a minha terapeuta”, você fez comigo o que nenhuma terapeuta fez ainda: Você me fez questionar o mundo que eu construí para viver... Você mexeu com as minhas estruturas.
            Me senti muito bem em sua companhia. Dançando, rindo, tremendo de frio.
            Fazermos o almoço juntos foi maravilhoso! Há muito tempo eu não me sentia assim, nem cozinhar eu faço mais. Me senti cuidado. Motivado a fazer coisas que são muito simples, mas que ao mesmo tempo podem ser maravilhosas. Eu havia me esquecido disto... Você me fez sentir-me vivo. Você trouxe alegria para esta casa enorme e triste.
            Ontem olhei para estas paredes e móveis e vi coisas que já não via mais. Ajustei algumas portas de armários que estavam desalinhadas há anos. Recoloquei alguns parafusos de volta a seus lugares. Permiti-me até a pensar em esvazias certos armários e gavetas com guardam coisas há muito tempo.
            Quero que você saiba de uma coisa... Em vez de você ter vindo a Lages para assistir a um show qualquer, para fazer algo de que gosta. Você fez muito mais do que isto, mesmo não querendo fazer... Simplesmente sendo o que você é.
            Obrigado!

Lages, 10 de junho de 2012.

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