sábado, 26 de março de 2011

Missão no lago Azuei

            Hoje acordei cedinho e, após embarcarmos os botes nos caminhões, pegamos nosso armamento e munição e partimos, seriam 60 km até o lago Azuei.
            Porto Príncipe é uma cidade enorme, dois milhões de pessoas vivem aqui, sem os mínimos requisitos básicos. Roma, já a mais de dois mil anos, tinha um sistema de distribuição de água e saneamento, aqui não tem nada. Fora a multidão de pessoas, existe aqui somente algumas ruas para escoar o trânsito, as restantes são somente becos. Neste ritmo, levamos mais de uma hora para sairmos para a periferia.
            À medida que prosseguíamos, a zona rural se fez presente, mas na verdade, a única coisa que mudou foi a quantidade de casas, pois a forma como as mesmas são construídas (barracas, ou tijolos de concreto empilhados) não mudou quase nada. A população rural também vive na miséria e lava roupa e se banha nos esgotos que margeiam a rodovia.
            Agora as montanhas enfumaçadas que vislumbro diariamente, estavam ali próximas a mim. Quilômetros e quilômetros delas, sem uma árvore para enfeitá-las, só a secura, a areia branca, os espinhos.
            Em meio a tanto desconsolo, eis que avistei um imenso lago azul. Sua beleza realmente é encantadora, devido a sua extensão e volume d’água, mas ali também não existe muita vida, somente alguns pequenos marrequinhos, foi o que vi de ecossistema.
            Chegamos ao nosso destino. Os botes descerram dos caminhões e os motores de popa foram instalados. Como meu objetivo ali era o de testar o alcance de nossos equipamentos de comunicação, instalei a antena no rádio, coloquei o colete salva-vidas e ocupei o meu lugar.
Nosso batalhão é o único aqui no Haiti que possui botes militares, e por este motivo, tem a missão de patrulhar a fronteira do Haiti com a República Dominicana, cujo objetivo é coibir o contrabando através do lago. No dia de hoje, nos acompanhava uma repórter brasileira que veio a trabalho ao Haiti.
Os remos nos deram o primeiro impulso e logo os motores foram acionados. O vento estava forte e por isto havia muitas marolas. O bote ai de encontro a elas e no embate entre as duas forças, jatos d’água viam em nossa direção. Os solavancos eram muitos. Com uma de minhas mãos eu segurava o rádio e com a outra a corda que circula o barco; eu tinha a impressão que era um ginete a cavalgar um potro xucro.
O sol da manhã nos saldava e aquecia, fazendo com que não nos importássemos de estarmos molhados. Margeamos uma grande extensão do lago, chegando até a divisa entre os dois países que dividem Hispaniola. De tempos em tempos, passávamos rápidos por pequenas aldeias de pescadores, onde sempre muitas crianças corriam a margem para nos acenar. Aquelas “petits”, quase sempre estavam nuas, demonstrando a cultura ainda muito tribal que ali existe. Porcos, cabritos e vacas, dividem com eles o espaço onde moram e a água em que se banham e a qual consomem, coisa muito normal aqui.
Após mais uma hora de navegação, encaramos o vento de polpa e retornamos ao ponto de partida. Nada de anormal foi encontrado e mais uma missão havia sido cumprida. A margem nos esperava nosso pessoal motorista e os da segurança, mais uma dúzia de garotos da região que haviam se juntado ali.
Recolocamos tudo no caminhão e encaramos a dura viagem de volta. Mais um dia se passou.

Port-au-Prince, 25 de março de 2011.


 

3 comentários:

  1. Tadeu
    Estou visitando seu blog.
    Fotos lindas e missão cumprida. Assim é a vida, rica de trajetórias sui generis.
    Voltarei
    Grande abraço

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  2. Boa tarde, sei que publicastes a tempos este artigo, mas só hoje que visualizei, de qualquer forma as fotos, o lugar e suas palavras reavivaram minha memória e me fizeram resgatar lembranças que estavam guardadas, estive pela primeira vez na MINUSTAH em 2010, cheguei em Porto Príncipe dia 11 de janeiro, um dia antes do terremoto, também tive experiências intensas neste país, mas isso é conversa para outra ocasiāo, grande abraço e parabéns pelo artigo.
    ADSUMUS
    GIOVANNI N MOREIRA

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