quinta-feira, 21 de julho de 2011

Oração da Noite.

Ele abriu a porta dos fundos e os dois meninos saíram correndo em direção ao jardim. A lua minguante quase nada de luz refletia e ele se embrenhou nas sombras. Aspirou fartamente alguns litros de ar, retendo-o em seus pulmões por alguns segundos, como costumava fazer em suas meditações.
A noite de final de janeiro estava agradável e, ele ficou ali inerte por alguns minutos, simplesmente saboreando o prazer de sentir o seu rosto sendo tocado pela cálida brisa.
Seus ouvidos se aguçaram e pode ouvir a musicalidade do vento, onde os galhos da palmeira em conjunto com os da aroeira, davam os tons mais agudos. Um perfume doce encontrou suas narinas e ele, fechando seus olhos, inspirou profundamente mais uma vez.

Deixou levar-se pelas vibrações da natureza, sentindo-se naquele momento uníssono a ela. Os minutos passaram lentamente...
Sentiu uma força lhe envolver, algo o chamava da imensidão. Curvou sua cabeça para trás e abriu os olhos cor amêndoa.
Oh... Que maravilha! Seu campo visual lhe apresentava o zimbório salpicado de diamantes faiscantes. Quanta beleza!
Neste instante seu cérebro muito racional se rendeu aquilo que não tinha outra explicação e seus lábios murmuraram: - Obrigado Senhor!!!
Meu Pai, Pai de todos nós, filhos transviados de teus sábios caminhos.
Obrigado pela benção da vida. Por mais uma vez poder estar estagiando no orbe terrestre;
Obrigado pelo meu corpo perfeito. Corpo que sente as dores da vida, mas que também pode verter águas de emoção diante de um ato de amor;
Obrigado por minha saúde perfeita, enquanto tantos irmãos nossos se arrastam mendigando cuidados alheios, nem sempre atendidos;
Obrigado Senhor da vida, pela minha mente lúcida, que pode armazenar o conhecimento do mundo e que, no entanto, muitas vezes a utilizamos para o delito;
Obrigado pela imensa alegria de ter uma família, quando tantos irmãos nossos jamais tiveram alguém para chamar de pai. Jamais terão um colo de mãe, um irmão, uma irmã, um lar para dizer que é seu;
Obrigado pelo muito que nos mima quando as luzes do entardecer colorem o céu; quando a luz do amanhecer rompe a escuridão e o sol feliz surge a nos aquecer.
Obrigado Senhor pelo amor... Ele é a centelha sua que faz o mundo mover-se. Egoístas que somos, queremo-lo somente para nós, como se ele pudesse esgotar-se;
Obrigado também pela dor, remédio amargo que nos arranca da paralisia da ociosidade, do abrigo da mentira, do esconderijo da maldade e nos coloca frente a frente com nossos erros.
Obrigado sobre tudo pela luz de teus ensinamentos, que nos possibilita hoje já entendermos que é amando que se é amado, que é perdoando que se é perdoado, e que é morrendo que se vive para a verdadeira vida.

As lágrimas que lhe escorriam abundantes pela face, também lavavam sua alma. Naquele momento sentiu que não estava só. Que corações luminosos o vigiavam e sussurros lhe diziam: - Este é o caminho meu irmão! Não é o mais fácil, mas é o definitivo. As dores de hoje são o reflexo do passado delinqüente, como também o esforço de agora serão as luzes de um futuro promissor.

Ele ouviu um choramingo e abrindo os olhos viu os seus dois meninos peludos sentadinhos a sua frente. Eles o olhavam com atenção e davam a entender que queriam agora um carinho. Em um movimento rápido ele atirou-se também sobre a grama e abraçando-os rolaram-se pelo tapete verde. É hora de criança dormir.

Port-au-Prince, 21 de julho de 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário