segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Prelúdio de tempestade


            O João-de-barro caminhava entre a grama recém-cortada, procurando o que lhe sustenta a vida e, uma gota cristalina carregada pelo vento mensageiro da tempestade, atingiu suas plumas. Lá para as bandas do Caveiras um relâmpago prenunciou o ruidoso trovão. O céu azul agora vestido em uma névoa branca dava-me a noção do que veria a seguir.
            Olhei para o jardim, que alheio à profecia, vicejava cores e perfumes. A minha Bugaville, cultivada e protegida com tanto esmero, agora recompensava-me com suas flores em um rosa vivo. Os copos-de-leite amarelo, preguiçosamente desenrolavam suas folhas pintadas em verde e branco, para fazerem par com a nova flor.
            Mais e mais trovões e, a passarada em vez de assustada, parecia-me que cantava ainda mais alto, talvez entendendo que assim afastariam o dilúvio.
            No jardim ao fundo uma sabiá laranjeira iniciou o seu gorjeio, o mesmo que em todos os finais de tarde do Sul, ela nos brinda. Maravilhado e como que hipnotizado pelo seu canto, fui a sua direção.
            Lá estava ela... Posada sobre a aroeira e afinada com o universo, suas notas reverberaram em meu espírito. O vento que se fazia ainda mais forte, remexia as suas plumas vermelhas castanhas e, imponente equilibrava-se sobre um pequeno galho.
            Lembrei-me de meu já velho pai... Quanto ele me ensinou sobre a natureza... Quantos ninhos já geraram novas azas, no pequeno espaço de terra que milha filha nomeou “floresta do vovô”.
            Ben-ti-vis, Anus, Tico-ticos, Suiris, Tesoureiros, Curicacas, Beija-Flores, Grimpeiros, Sanhaços, Sabias Laranjeiras e Sábias do Campo, Chupins, João-de-barro, Pombinhas-das-Almas, e tantos outros, ali vem fazer seus ninhos e comer das suas frutas.
            Maracujá, Ingá, Sete capote, Pera, Caqui, Cereja, Ameixa cambará, Pitanga, Pé-de-galinha, Pinhão, Limão, Laranja, Gabirova, Uvaia e tantos outros, revezam os doze meses, de forma a não faltar o alimento aos senhores do ar.
            Obrigado meu pai, por me ensinar a reconhecer os pássaros e as frutas, já ensaiando também a parte que me cabe continuar.

            Aspirei profunda e lentamente o cheiro de terra molhada que emergia de nosso chão sulino e, deixei que as gotas que se perderam da tempestade viesse ao meu encontro. Ao meu lado brincavam meus dois mascotes que a cada trovoada se aproximavam mais de mim. Acariciei-lhes as cabeças.
            A chuva desviou-se... Deve ter dado certo o pedido dos pássaros. Eu, por minha vez, peguei o meu violão e mesmo sabendo que jamais me aproximarei de suas melodias, procurei os acompanhar.

            Lages, 04 de novembro de 2012.

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