quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A chuva chegou...

            Às cinco e quarenta e cinco horas de hoje, meus olhos se abriram para um novo dia. Este dia para mim é especial e assim seria mesmo longe de casa.
            A noite seria a passagem de comando de nosso batalhão, de um de infantaria e também do dos marinheiros, e as sete já estávamos todos reunidos para recepcionarmos um chefe militar brasileiro que havia vindo para esta ocasião.
            Entre hinos e canções, eu fitava as montanhas encobertas pela fumaça. O sol estava forte e o corpo reclamava das muitas horas em pé. Mais alguns minutos e terminada a formatura, voltamos aos nossos afazeres diários, marcados por muitas reuniões, que buscaram identificar e implementar melhorias em nossos sistemas de comunicações e informática.
            O dia passou muito rápido, e chegada a noite, haveria outra formatura, e esta ainda mais demorada que a da manhã.
            Às dezoito horas nos dirigimos para o local, porém o evento só iniciou às dezenove e trinta, mais uma hora e meia em pé.
            Finalmente começamos. Perfilados em um enorme pátio estávamos nós engenheiros, muitos infantes e fuzileiros navais também, éramos em torno de quinhentos homens.
            A nossa frente estavam comandantes de nossas três forças armadas do Brasil, como também muitas autoridades da ONU de diversos países. No espaço reservados aos convidados eu observava a diversidade. Ali, uma oficial japonesa junto com um colega. Perto dela algumas hatianas que trabalham nas instalações civis. Cidadãos e suas esposas, o embaixador brasileiro e a embaixatriz.
            O tempo passava em câmara lenta. Leitura de currículos, discursos... Um clarão ao leste chamou-nos a atenção. Logo surgiu outro e agora nossos ouvidos aguçados ouviam o som dos trovões. Já não chovia a dois meses, seria naquele momento que isto iria acontecer? Sim, a lei de Murphy funcionou.
            As gotas do líquido precioso à vida chegaram. Inicialmente modestamente, porém em seguida foram aumentando e agora já caiam em abundância. Eu ouvia as palavras que eram pronunciadas ao microfone, mas meus olhos perscrutavam tudos os estímulos que eu recebia do ambiente a minha volta.
            Os japoneses, como sempre, acompanhados de suas câmeras fotográficas, agora buscavam um melhor ângulo para registrar o que ocorria. As pessoas que estavam na primeira fileira de cadeiras, sob a cobertura que as abrigava da chuva, retraiam-se para o interior buscando segurança. Os olhos da assistência nos buscava, esperando talvez alguma reação nossa.
            Nada acontecia. Imóveis, permanecíamos. A postura ereta, a cabeça olhando para cima, o peito projetado para fora, as mãos juntadas as costas, com um punho segurando o outro. Alguém poderia dizer que Medusa havia nos seduzidos e que agora éramos todos estátuas.
            Estávamos agora bem molhados. A farda encharcar não nos oferecia mais proteção. Senti a invasão do primeiro filete d’agua, que vitorioso percorreu o meu peito, era frio. Se meu corpo padecia ali inerte, minha mente voava. Pessoas, lembranças, algodões-doce, sorrisos desfilavam em meu mundo interior, alheios a tudo. Mas uma vez pude entender, que a felicidade ou a tristeza, são apenas um estado de espírito. Somos nós mesmos quem definimos isto, não os outros ou situações que nos fazem mal.
            A cerimônia chegava a seu fim, faltava apenas o nosso desfile. O clarim vomitou sua notas que para nós são palavras e, centenas de pés começaram a bater forte no chão. Nossos braços balançavam em diagonal e nossa voz rompia o ar ao cantarmos a canção Fibra de Heróis. As pequenas poças espalhavam-se pelo asfalto, ao impacto de nossa marcha. Um “olhar-a-direita”, uma continência, acabou...
            Mais uma tarefa cumprida. Voltamos à caserna, onde nos prepararíamos para recomeçar tudo novamente no dia seguinte.
            O dia 15 de fevereiro se tornou ainda mais especial. Mais uma história para contar.

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