domingo, 27 de fevereiro de 2011

O Orfanato Haitiano


            Após mais de uma hora para percorrer uma distância de aproximadamente cinco quilômetros, saímos do meio do fluxo intenso e descontrolado do trânsito de Port-au-Prince e chegamos a Bleissing Hands (Mãos abençoando).
            Depois de alguns minutos de espera, o portão grande se abriu e pudemos ver o lugar. O pátio era um pouco maior do que o de um terreno residencial que temos no Brasil. Nele havia a esquerda uma pequena área coberta, onde algumas carteiras escolares primitivas estavam mal alinhadas. Mais ao centro e ao fundo, estava o pequeno parque de diversões que colegas de contingentes anteriores haviam construído. Quatro balanças, quatro gangorras, um escorregador e uma roda giratória, eram tudo o que aquelas crianças tinham para amainarem suas tristezas.
            À esquerda e ao fundo, percebi uma casa em formato de meia-água, cuja área não passava de 100 m2, este era o lugar onde se albergavam 44 crianças órfãs. Na frente da casa, havia uma pequena mureta, onde todas elas, impacientes, aguardavam sentadas que, saíssemos de nossa viatura.
            A abertura da porta do microônibus foi para elas a senha, e em instantes fomos tomados por suas presenças, falas, sorrisos. Elas corriam em direção a nós soldados, como se fossem filhos nossos dos quais estivéssemos a muito distante.
            Passei a observar. Visitas como esta, já fazem parte de minha vida há muitos anos, mas ali era especial. Olhei em minha volta e vi que estávamos rodeados por elas. Em um determinado momento, senti que minhas pernas foram envolvidas por mãos alheias, olhei para baixo e uma “petits” me olhava sorrindo com seus pequenos braços estendidos para mim a pedir um colo. Sorri para ela também, preparei meus músculos para trazê-lo para junto a mim, mas quando a icei, fiquei surpreso, aquele pequeno corpo era muito leve para o seu tamanho, mal eu sentia o seu peso, ficando por mais de meia hora em um só de meus braços sem me causar cansaço.
            As sacolas foram abertas e um menino de uns quatro anos olhou para mim e disse “bôlá”. Ela já havia aprendido como se chamava bola em português, recebeu uma e saiu correndo para brincar.
            Balas, pirulitos e alguns brinquedos foram distribuídos a todos. Estas coisas que para nós são muito básicas, para elas são motivo de muita alegria. Constantemente uma delas se dirigia a mim, estendendo suas magras e pequenas mãos, para que eu descascasse a bala ou pirulito, pois como muitas poucas vezes as tiveram, nem sequer sabiam fazer isto.
            Me dirigi para a área das balanças com a minha pequena, e foi difícil conseguir uma para ela. Primeiro empurrei outras crianças que ali estavam, e depois, falando em inglês, português e através de gestos, consegui que deixassem que atra coleguinha pudesse brincar também. Cada criança que ali se balançava, não queria mais sair para dar seu lugar à outra. Isto não acontecia porque era muito bom se balançar, elas tinham os dias inteiros para fazer isto, o que elas queriam na verdade era serem tocadas, acariciadas, queriam afeto, alguém que notasse que elas existem.
            Depois de brincar por bastante tempo com elas, resolvi olhar o interior da casa. Lá existem dois banheiros coletivos, com três boxes cada um e alguns chuveiros. As condições físicas e de higiene, eram muito precárias. Em seguida entrei nos quartos, que também existem dois, um masculino e um feminino. Em um canto, há alguns armários feitos em madeira, com diversas caixas semelhantes aqueles de guarda volume. Ali era o local onde elas guardavam tudo o que possuíam, ou seja, algumas peças de roupas, já velhas e sujas. As camas eram compostas por beliches de ferro, feitas também por meus colegas brasileiros. Eram de três andares, e cujos locais, eram ocupados por estrados de madeira em péssimas condições. Somente em alguns havia colchões, mas que não passavam de espumas sujas e espedaçadas, em outros, somente alguns panos forravam o estrado.
            O espaço da cozinha e onde fazem suas refeições, (quando as tem) também era desumano. Ali não havia organização, limpeza, os utensílios necessários e nem comida. Naquele dia, elas não tinham nada para comer.
            Nosso tempo se esgotou e precisávamos voltar a nossa Base. O colega que nos chefiava, anotou o que elas precisavam de mais urgente em alimentos e prometeu voltar ainda no mesmo dia com os donativos. Se não conseguisse em nosso rancho, faríamos uma coleta para comprá-los.
            A visita a um dentre outras centenas de orfanatos que existem na capital do Haiti estava se encerrando. Se você achou que ali é um lugar sem condições mínimas de moradia, saiba que este é um hotel cinco estrelas em comparação com os demais. Ali havia uma senhora que do jeito que consegue, cuida das crianças. Em muitos outros elas estão deixadas a própria sorte.
            Antes de embarcar ainda quis olhar mais uma vez para aquelas crianças. Fixei seus rostinhos felizes com a nossa presença e me perdi em meditações.
Como se chamam elas? Chamam-se filhos da fome, do descaso do mundo, do abandono. Quem são eles? São nossos irmãos em duras provas e expiações. O que podemos fazer por eles? Cada um de nós pode amá-los, lembrar destes rostinhos em suas orações. Pode ser honesto e caridoso. Exercitar a caridade e a benevolência, pois como já nos disse Jesus: “Quando fizerdes isto a um destes pequeninos, é a mim que o fizestes.”


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